quarta-feira, fevereiro 28, 2007

O sonho e a velhice

Á medida que o homem vai “envelhecendo” – talvez seja mais apropriado dizer: amadurecendo – vai aumentando a sua sabedoria e serenidade, afirma-se com muita frequência. E há mesmo quem diga que isso se deve ao facto de, com a passagem do tempo, as pessoas “assentarem os pés no chão” deixando, de certa forma, de sonhar.

Confesso que tenho muita relutância em aceitar este último pensamento, pois acho que a sabedoria e a serenidade são fruto da concretização (ou não) de muitas coisas que só existem ou existiram porque houve, primeiramente, o sonho e, daí, o desejo de o tornar realidade.

Minha mãe – pessoa muito pragmática e… muito materialista – costumava dizer, referindo-se a mim: «tenham cuidado com ele, porque anda sempre com a cabeça nas nuvens!» Queria com isso dizer que eu era (e sou) um inveterado sonhador, o que, para ela, era um enorme defeito.

Todavia foi graças a esse “defeito”, acertando e errando imensas vezes, que fui aprendendo e evoluindo até chegar ao que sou: um velho com sabedoria e serenidade, muito embora seja, bastas vezes, assaltado por medos de incapacidade para estar e de vir a sentir, na pele e na alma, os efeitos da solidão com todo o seu vasto e pernicioso quadro de malefícios físicos e espirituais.

Mas, apesar disso, continuo a sonhar, pois, enquanto assim for, sei que estou vivo e que sou eu.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Um museu

Hoje, ao abrir a minha caixa de correio electrónico, deparei com o pedido de uma amiga, directora de um jornal regional, solicitando-me uma resposta para a pergunta: «acha que deve ser feito, em Santa Comba Dão, o Museu Salazar? Ao que respondi, simplesmente: Um Museu, sim. Mas jamais um museu com o nome e que exalte a sua figura. Um museu, sim, mas para mostrar, às gerações do pós 25 de Abril de 1974, o que foi a ditadura fascista e o quanto sofreu o povo português durante esse triste período da nossa história recente. Um museu, sim, mas não para enaltecer um homem cuja marca no passado foi repressivamente de coacção de direitos e liberdades essenciais do ser humano em Portugal. Culto dessa nefanda personalidade por quê e para quê? Será que não nos bastaram 48 anos dessa triste divinização?

Eu sei bem do que falo, pois vivi e senti na pele as consequências dum regime cruel.

Depois de ter frequentado o 1º e 2º (agora 5º e 6º) ano do (então) Curso dos Liceus no ensino particular (Escola Académica de Viseu) frequentei o Curso Geral de Comércio, na (velha) Escola Industrial e Comercial de Viseu, (hoje Secundária Emídio Navarro) como “ouvinte”, pois o então director, Dr. Carlos Damião Franco – fascista de muitos costados e “adorador do Deus Salazar” – me não deixou ir a exames sob a afirmação (falsa) de que era muito lento na prestação das provas escritas. – Triste e esfarrapada desculpa para mascarar a sua aversão aos que, por isto ou por aquilo, não pertenciam à “raça pura” ou eram contrários às suas ideias ou buscassem a igualdade e a liberdade!...

Também na aquisição de empregos o fascismo me pregou partidas, como, por exemplo: pela mão do Dr. Fernando Russel Cortez, que dizia ser “muito meu amigo”, para Animador de Acção Cultural no Museu de Grão Vasco, de que ele era Director, descobri que o meu requerimento de candidatura tinha, propositadamente, desaparecido, só voltando a ser visto, no fundo duma gaveta num armário/secretária, depois de supridas as vagas e nada já ser possível.

O que sou e o que consegui fi-lo com muito esforço, auto didacticamente, depois da “Revolução dos Cravos”.

Será preciso dizer mais alguma coisa?...

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Evolução ou destruição?

Se tudo rodasse sobre esferas o atrito estaria reduzido ao mínimo, deslizando tudo com tal suavidade que, por certo, nem daríamos conta do avanço do tempo. Ora isto que poderá parecer-nos óptimo, será que o é? Não será rotina mórbida e negativa pelo seu ostracismo ou melhor: “pelo deixa correr”?

O atrito permite a travagem, as mudanças de ritmo, a variação constante da marcha. Logo, o atrito ou os atritos também são necessários e importantes, já que possibilitam as mudanças da história.

A humanidade, nestes quase cinco milhões de anos que pisamos o planeta, tem sofrido, permanentemente, o efeito do atrito, umas vezes entre si, outras pelo girar da Terra pelo Cosmo. Mas – penso eu – tem sido bom, porque tem feito com que o ser humano tenha evoluído, não só em termos físicos, mas, sobretudo, ao nível da mente.

Entretanto, por mor desta evolução, uma questão se nos põe: será que estamos a evoluir no bom sentido ou estamo-nos a afastar para a rota da destruição (digo mesmo: da autodestruição)?

A segunda hipótese começa a plasmar-se, assustadoramente, á nossa frente. A ganância e o lucro estão a atirar-nos para o desprezo à casa que herdamos de nossos passados. Amanhã as paredes e o telhado acabam por ruir e nós cairemos esmagados pelas traves da nossa ambição e choraremos, se calhar já no além, lágrimas de sangue e arrependimento, porém, será tarde, muito tarde…

Quioto, desrespeitado, de nada e para nada valerá, tenhamos disto consciência!

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

A propósito do Entrudo

Quando alguém morre, mesmo que durante a vida tenha sido um estupor, sempre se escuta quem diga: – Ai era tão boa pessoa!... Todavia, é da tradição, no enterro do Entrudo o pseudo oficiante das “cerimónias fúnebres” fazer um empolado discurso em que, ao contrário do habitual, se injúria o pobre do rei momo, lançando-lhe em rosto (digo: em máscara) todos os pecados da sociedade local e se insulta acusando-o de todos os males que prejudicaram os habitantes da localidade, no decurso de um ano.

Isto mais não é do que exorcizar os mil “demónios” que, lamentavelmente, povoaram ou povoam as nossas mentes ao longo do meses ou da vida, buscando, desse modo, desculpabilizar pensamentos e actos de que, afinal, nos envergonhamos, mas aos quais não sabemos como fugir, pois estão enraizados no mais íntimo de nosso ser.

As duas atitudes são péssimas. A primeira porque revela um mal disfarçado interesse para obter benesses junto dos familiares do falecido ou, pior ainda, um cinismo, perversamente satânico, de achincalhar, pela falsa positiva, quem já não tem quaisquer meios de defesa. A segunda porque mostra todo o lado sórdido dos homens que, sob a capa do humor e da ironia, não são capazes de, por si e para si, resolverem os seus conflitos interiores e, então, numa descarada e despudorada diatribe, usam a figura do Entrudo para se libertarem de quanto os incomoda e perturba, psíquica e psicologicamente, numa ignóbil, no entanto, proveitosa terapia da palavra, melhor: do desabafo.

E… assim vai o mundo desde tempos imemoriais!...

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Carnaval tempo de destemperos

Ao que se ouve com frequência, por alturas de Carnaval, cometem-se, em todo o Mundo, grandes exageros de que resultam muitas mortes e muitos feridos graves, além de avultadíssimos prejuízos materiais, bem como, lamentavelmente, ofensas que deixam marcas psicológicas para toda a vida, já que também há pessoas que aproveitam a época e as grandes confusões, geradas pela folia, para procederem a “velhos ajustes de contas”.

«É Carnaval, ninguém leva a mal!...» – ouve-se dizer.

Que grande bosta! Então por que é tempo de diversão podem-se cometer desvarios e até crimes? Que conceito é este?! Que sociedade é esta?!

O melhor – parece-me – é emigrar para Marte ou outro qualquer planeta desabitado do Universo, onde não haja seres humanos, mas tão-somente seres espirituais purificados, pelo fogo, em cadinho filosófico de antigo alquimista, das limalhas e escórias da vida terrestre!

Eu não tenho melhor solução para o problema, quem a tiver e tiver poder, que se debruce sobre este tema e tome, urgentemente, as medidas adequadas para evitar um tão negro, triste e indesejável panorama.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Iliteracia um mal que urge acabar

«O saber não ocupa lugar» – diz o povo e, penso eu, com imensa razão!

Há quem diga que estamos a viver a Era dos Velhos em Portugal, já que a população do nosso país mostra fortes índices de envelhecimento.

Este quadro se, por um lado, nos parece bom, porque «cada velho é – dizia-se num passado pouco distante – uma autêntica biblioteca a que se pode ir buscar a ponderação de muito saber acumulado», pelo lado da realidade dos factos, é bastante falho de verdade. Atentemos bem e veremos que qualquer recipiente para guardar seja o que for, precisa de um tratamento prévio afim de que aceite aquilo que pretendemos seja armazenado com vista à sua futura e proveitosa utilização.

Quero com isto dizer que, infelizmente, temos uma imensidade de pessoas idosas que por não terem tido, na sua infância e juventude, acesso à instrução, são hoje os tais recipientes que pouco de útil puderam guardar para deixar à geração que se lhe seguiu e daí, mormente o muito respeito e carinho que lhes é devido pela sua idade e por serem a razão de cá estarmos agora, não terem a força de uma sólida sabedoria acumulada, capaz de fazer com que o «mundo pule e avance», como afirma António Gedeão, na sua Pedra Filosofal.

Bem sei que o que acabo de escrever é bastante polémico e controverso, mas se o faço é para estimular tudo e todos para a necessidade absoluta de diminuirmos a iliteracia que, em percentagem tão elevada, ainda impera em Portugal e nos aflige de forma bem vincada.

“Sei que nada sei” e nada posso, mas, mesmo assim, atiro a pedra ao lago para que as águas se agitem e formem uma onda que chegue às margens e mude alguma coisa.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

"Dias de..."

Actualmente, com um comércio de competição agressiva, os “Dias de…” (eles são tantos!) já não são, como deviam, para comemorar ou então para meditar e tomar decisões justas que resolvam os problemas da vida que esses dias evocam. Hoje a maior parte destas efemérides transformam-se, em escala assustadora, em meros pretextos para o consumo, a mais das vezes, supérfluo, porque não sentido, nem vivido. É, apenas, fogo de artifício que estoira com mil cores e sons, mas que, depois, deixa o vazio, o nada nos corações e nas almas.

Dia de S. Valentim… Pois é! Dia dos apaixonados!?... Será?

O que se vê é que o bom do Santo, lá nas alturas onde subiu, deve estar com ar carrancudo, a olhar os enamorados a gastarem os últimos cêntimos dos seus porta-moedas na compra de bugigangas inúteis e, quantas vezes, desenquadradas do sentimento que ele queria (e quer) inspirar aos casais, e que é, afinal e tão simplesmente, o entendimento mútuo na reciprocidade das ideias e dos actos.

Uma palavra, um gesto são as coisas mais importantes e que as pessoas de bom-senso mais gostam de receber, porque a melhor de todas as prendas é o afecto e a sinceridade. Tudo o resto é bom e é bonito, mas é consumismo!...

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Dura Lex

Afinal, confirmei-o ontem, o apoio ou empenhamento a uma causa que julgamos nobre e justa, pode trazer-nos problemas de que nos arrependeremos pela vida fora. Estou a reportar-me concretamente aos mais de 10.000 subscritores que assinaram, na melhor das intenções – sublinhe-se – o requerimento de Habeas Corpus para que o sargento que, por ter “cometido o crime de amar uma criança”, se encontra preso, ser rapidamente libertado.

Pois é!... Só que esses bem intencionados subscritores podem vir a ter de pagar 480 € de custas judiciais. Simplesmente surrealista!!! E como são mais de 10.000 isso vai levar aos cofres da Justiça cerca de 6 milhões de euros. Fabuloso, sem dúvida!!!

Isto dito assim, friamente, até pode dar vontade de rir. Mas, meu Deus! Quantos milhares de subscritores, nem isso recebem de pensão de reforma e ou de invalidez!!!

Confesso não ter tido acesso ao dito documento e, por isso, não o assinei, logo não estou preocupado com a consequência vinda agora a lume, todavia estou solidário com quantos honestamente e – repito – na melhor das intenções apuseram a sua marca pessoal naqueles papeis.

Moral da história: já não se pode ser bom!...

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Património Cultural a salvar

Acocorado no chão, com uma colher de rebocador de paredes, numa das mãos, escarafunchava o solo endurecido pelo séculos e, com uma trincha de pintor, na outra, limpava, cuidadosamente, a terra agarrada a uma fíbula de bronze, provavelmente, arrancada a um soldado romano, numa das muitas emboscadas que a guerrilha lusitana promovia ao invasor.
Foi assim que o conheci. Estava-se nos finais dos anos setenta do século passado. Procedia-se às escavações do Castro da Cárcoda, ali para as bandas de Carvalhais. Os trabalhos orientados pelo arqueólogo Monsenhor Dr. Celso Tavares, coadjuvado pelo Dr. Inês Vaz e por ele, Dr. Alberto Correia, decorriam, com a ajuda de estudantes voluntários, proveitosamente para a descoberta do passado da nossa região.
Bem longe estávamos, nesse dia, de pensar que, a partir daí, havíamos de consolidar uma amizade que perdura, há mais de trinta anos. Três décadas em que a cultura se foi escoando, como areia por entre os nossos dedos, mas deixando no chão um montículo que atestará, de forma perene, a nossa passagem por esta cidade e por este Mundo, muito especialmente o Dr. Alberto Correia cujas obras têm um fôlego tão grande quanto a sua alma de homem bom.
Vem isto a propósito da publicação do seu livro “As Arcas da Memória” em que, no seu estilo poético de contar as lembranças da sua meninice, lega aos vindouros o espólio etnológico do passado (quase presente), o qual está já em vias de acelerada extinção e, por isso, em eminente perigo de perda total.
Dizia eu, ontem, a alguém: Que bom é haver, em Viseu, um Alberto Correia com “As Arcas da Memória” e eu próprio com “As minhas e as estórias deles” (a publicar quando alguma editora o quiser fazer) para que todo um riquíssimo acervo se não perca, pois isso seria uma catástrofe cultural de que a região teria, eterna e amargamente, de se penitenciar, com enorme raiva e ranger de dentes.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Assim NÃO

Uma rábula dos "Gato Fedorento", hilariante.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Paz

Há dias fui visitar pessoa amiga que me apresentou um cavalheiro que disse andar já, há algum tempo, a ver se entrava em contacto comigo, pois tem intenção de criar uma Associação cujo principal objectivo será a luta pela moralização da sociedade em várias matérias, como a justiça social e o equilíbrio emocional da sociedade tendo em vista diminuir assimetrias e acabar com a guerra.

Achei o projecto interessante, mas, após breves minutos de conversação, verifiquei, com certo espanto, que o bom do homem, independentemente da sua enorme boa vontade, não tinha quaisquer ideias definidas, muito menos conceitos firmes e plausíveis sobre o que é a sociedade, nem sobre o que é ou não é a moral, também não sabendo o que é a paz, já que, para si (creio-o) como para muita gente, esse bem precioso da humanidade é “a ausência da guerra bélica”. O que, de facto, não é.

Paz não é, não pode ser nunca, a ausência de batalhas mediáticas com tiros, facadas ou murros entre facções desavindas. Paz é o sentirmo-nos bem connosco e com os outros. Mas isso implica uma permanente e custosa luta travada na nossa mente e no nosso espírito, o que pressupõe e exige constantes e complicadas mudanças na nossa maneira individual de ser e de estar.

Cristo tinha razão quando disse que não veio ao mundo trazer a paz. E é verdade, os pais estão contra os filhos, irmãos contra irmãos, vizinhos contra vizinhos etc., porque a busca e o encontro connosco mesmos, impõe uma imensa luta dentro de nós e leva a que, permanentemente, conflituemos no nosso íntimo e, por arrasto, com quem nos rodeia. Porém esse constante conflito, dentro de cada um, é salutar, muito salutar mesmo, porque leva ao conhecimento próprio e dos outros e… daí, ao bem-estar espiritual, numa palavra: á Paz.

Se estiver errado, digam-mo, que eu agradeço.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Fazer anos...

«Se eu algum dia morrer…» dizia o meu amigo e poeta repentista Azevedo Pinto (Rijo). Por outro lado, meu tio-bisavô António de Lemos – segundo me contou minha avó materna –, dizia que o bom era atingir a primeira machadinha (70) e quando se chega ás duas machadinhas (77), é sinal que se está já de provecta idade.

Começando pelo segundo pensamento, direi que ele me faz feliz, pois me dá um novo estatuto na sociedade. Tornei-me, a partir de hoje que atingi a primeira machadinha, um “ancião”, o que me torna – de acordo com as culturas mais tradicionais – num homem carregado de vivências e, por isso, pleno de sabedoria. Será?

Quanto ao primeiro pensamento – refere-se as questões da continuidade após a morte –, direi que também me satisfaz, uma vez que a minha perpetuidade fica assegurada pelo meu filho e pelos meus escritos, publicados uns, á espera outros da coragem de um editor que os punha acessíveis a público.

Fazer anos é fácil e é bom, todos os anos fazemos um, mas fazer com a alegria de nos sentirmos bem na pele que deus nos deu é, ainda, melhor!