Quando alguém morre, mesmo que durante a vida tenha sido um estupor, sempre se escuta quem diga: – Ai era tão boa pessoa!... Todavia, é da tradição, no enterro do Entrudo o pseudo oficiante das “cerimónias fúnebres” fazer um empolado discurso em que, ao contrário do habitual, se injúria o pobre do rei momo, lançando-lhe em rosto (digo: em máscara) todos os pecados da sociedade local e se insulta acusando-o de todos os males que prejudicaram os habitantes da localidade, no decurso de um ano.
Isto mais não é do que exorcizar os mil “demónios” que, lamentavelmente, povoaram ou povoam as nossas mentes ao longo do meses ou da vida, buscando, desse modo, desculpabilizar pensamentos e actos de que, afinal, nos envergonhamos, mas aos quais não sabemos como fugir, pois estão enraizados no mais íntimo de nosso ser.
As duas atitudes são péssimas. A primeira porque revela um mal disfarçado interesse para obter benesses junto dos familiares do falecido ou, pior ainda, um cinismo, perversamente satânico, de achincalhar, pela falsa positiva, quem já não tem quaisquer meios de defesa. A segunda porque mostra todo o lado sórdido dos homens que, sob a capa do humor e da ironia, não são capazes de, por si e para si, resolverem os seus conflitos interiores e, então, numa descarada e despudorada diatribe, usam a figura do Entrudo para se libertarem de quanto os incomoda e perturba, psíquica e psicologicamente, numa ignóbil, no entanto, proveitosa terapia da palavra, melhor: do desabafo.
E… assim vai o mundo desde tempos imemoriais!...
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