Natal de 1945.
Na Casa de Ferrocinto, a oito ou nove quilómetros de Viseu, consoamos eu, minha avó materna, minha mãe (meu pai continuava em Moçambique) e meu tio Augusto, ainda solteiro. Foi uma ceia igual à da maioria das pessoas, conversou-se, comeram-se as batatas cozidas com as couves e o bacalhau, mais as filhós, os frutos secos e os pinhões, estes de acordo com a quantidade ganha ao jogo do "rapa, tira, deixa e põe", e depois assistiu-se à Missa do Galo na Capela da Casa, com a presença da gente da aldeia e também da aldeia dos Paços, dali distante um quilómetro e meio.
Na manhã seguinte eu e minha mãe subimos a colina e fomos almoçar, ao Monte do Boi, com meu avô materno (estava separado de minha avó, por razões que não vêm ao caso) que, por ser um magnifico pasteleiro (era filho da recriadora dos célebres "pasteis de Vouzela" e de outras iguarias regionais), nos brindou com um belo almoço de Dia de Natal e, de sobremesa, além da aletria e das rabanadas, um soberbo e delicioso "pão de ló humido", como só ele sabia fazer e de que tenho muita saudade.
Ao cair da tarde, percorri mais dois quilómetros e picos e fui para Figueiró, onde jantei "roupa velha", confeccionada pelas minhas quatro tias (todas solteiras), em casa dos meus avós paternos, onde fiquei, pois minha mãe retornou ao velho Solar do Visconde de Ferro0cinto.
Não digo - a esta distância cronológica - que tenha sido um Natal feliz, mas foi um natal que caldeou, forma positiva, a minha personalidade de pessoa com deficiência e me tornou - creio-o - num homem sensível aos problemas e angústias do meu semelhante.