quarta-feira, agosto 22, 2007

Oração

Um dia, numa capela, da Cidade de Viseu, vi um homem, de pé em atitude de profunda oração. Era velho. Vestia com a sobriedade e decência de uma pessoa que parecia de bem. E tinha o porte bonito e simpático de quem, muito provavelmente, na juventude; praticou uma qualquer actividade directiva.

Mantive-me no espaço sagrado todo o tempo em que o homem lá esteve. Saí quando ele saiu. No exterior, dirigiu-se a mim e com uma história muito breve, mas comovedora, pediu-me que lhe desse algo com que pudesse tornar à sua terra, algures no Douro.

Viera a Viseu para acompanhar a sua única irmã à derradeira morada. Investira quanto tinha nessa viagem e estava sem dinheiro para o regresso e para se alimentar. Acreditei. Dei-lhe quanto ganhara nesse dia, como guia/interprete, com os turistas franceses a quem mostrara a minha «antiqua et nobilíssima» cidade.

O homem agradeceu e pediu-me o endereço para que me enviasse um postal da terra dele. Entretanto, perguntei-lhe se estivera a orar pela alma da querida irmã.

- Não! Eu não sei rezar! Nunca ninguém me ensinou! – Respondeu peremptoriamente e prosseguiu: – Estive a ralhar com Deus por Ele ter levado a minha mana, muito mais nova e muito melhor pessoa do que eu, além de que já sou velho e sem préstimo para nada, nem para ninguém. Pedi-lhe: Pá, leva-me agora a mim que vivo em total solidão e sem recursos para ter um mínimo de humana dignidade.

Espantei-me com tal fé. Um homem que dizia não saber rezar dava-me a maior lição sobre o que é, realmente, orar.

Orar não é debitar, da boca para fora, um chorrilho de formulas religiosas, decoradas na infância, quantas vezes à custa de umas bravas bofetadas e puxões de orelhas.

Orar é, sim, falar com Deus: dizer-lhe das nossas angústias (que Ele bem conhece), das nossas ansiedades, dos nossos sonhos e… para aliviarmos nossa dor, é zangarmo-nos e ralharmos muito, por nos ter largado a mão quando mais necessitávamos da sua ajuda efectiva.

É dizermos, como Cristo no Monte das Oliveiras: «Pai, por que me abandonaste? Afasta, de mim, este cálice!» E é, depois, com grande humildade e crença ilimitada – reconhecendo a nossa ignorância perante os Seus desígnios –, emendarmos a nossa atitude arrogante e, num brado sincero e sentido, termos coragem para dizer: «Faça-se, em mim, somente a Tua vontade!»

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