Aquela mulher era feia. Tão feia que ninguém quis casar com ela. Tinha o rosto escalavrado pelas bexigas loucas que, em criança, assim lho talharam como se fosse “à podoa”. Mas… tinha o corpo digno de uma escultura de Miguel Ângelo e, por isso, era muito cobiçado pelos homens e invejado pelas mulheres.
Conhecia, tinha eu dez anos, passava a sua porta e ela dava-me biscoitos e contava-me histórias de mouras encantadas. Mais tarde ensinava-me coisas da vida para que me precavesse contra as maldades das pessoas que nem sempre são bem intencionadas.
Não segui os seus conselhos e acreditei, ainda acredito, na boa fé de toda a gente. Por isso tenho recebido pontapés de todos os lados e tenho – certamente como muita gente com a minha forma de ser e de estar – sofrido imenso.
O que fazia, quem era, de que vivia? Não sei! Nunca tive coragem de lhe perguntar. Ela era a senhora que gostava de mim; que, terna e pacientemente, escutava as minhas queixas, de pessoa com deficiência, carregadas de problemas de integração social e de carências afectivas de toda a ordem e que, docemente, me aconselhava e animava a prosseguir em frente na luta pela vida, numa cumplicidade e confidencialidade, mais do que maternal.
Quando cheguei aos 26 anos e ela perfez os 70, apareceu morta, uma manhã de Inverno, na sua cama, num quarto gélido e alugado, para onde se mudara há algum tempo.
Se calhar por ser feia, não fizera amizades. E, na hora do féretro, só meia dúzia de pessoas a acompanharam até á sua última morada. Eu também fui. Fui ruído pela dor da perda de alguém que me amava e me queria muito bem.
Aquela mulher, afinal, era linda. Tão linda que ainda a recordo com uma saudade infinita, mas que me faz feliz sempre que – nos meus, muitos, silêncios – a invoco e a trago à lembrança.
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