Outro dia, como muitas vezes faço, subi a velha e sempre típica Rua Direita, e eis que dei de ventas com um amigo da juventude o qual não via a uma eternidade.
- Ó Zé – perguntou-me – lembras-te do tempo em que, pensando que íamos virar o mundo, te punhas a organizar eventos de carácter cultural nesta cidade, então amorfa, em que o fascismo queria que nada acontecesse ou só sucedesse o que era de seu próprio interesse?
Sorri e disse: – Éramos loucos! Cuidávamos que as nossas minúsculas areias lançadas no lago do Parque, onde o Camões morria de tédio debaixo de um velho e carcomido castanheiro, poderiam provocar um tsunami capaz de tudo alterar e de fazer que os nossos (malucos, mas bem intencionados) sonhos se tornassem realidade. Como éramos ingénuos?!...
- Pois é – concluiu ele – mas foram essas tuas iniciativas, as minhas e as de muitos outros sonhadores como tu e eu que, por esse país fora, abriram mentes e consciências e, gota a gota, num crescendo, foram fermento para o 25 de Abril de 1974.
Fiquei surpreso com aquele raciocínio. Nunca tal me tinha passado pela cabeça! Quem era eu, se não um mero e irreverente jovem com paralisia cerebral?!...
Afinal, se Viseu progrediu, se Portugal avançou um pouco na História, melhorando a vida de muitos cidadãos – desgraçadamente ainda não de todos – isso foi e é resultante não só do empenho dos governantes de poder na mão, mas, também e sobretudo, da luta e das ideias de uns quantos loucos e sonhadores que, atrevidamente, no correr do tempo, foram e são capazes – mesmo arrostando com incompreensões e represálias de toda a ordem – de lançar areias no lago de um qualquer Parque, na tentativa de agitar águas estagnadas pela modorra rotineira de gente acomodada, porque de barriga forra. Cada qual fez (ou faz) revolução a seu modo e com as armas ao seu alcance.
Eu (se é que fiz alguma coisa) fi-lo pela via cultural com os parcos meios que tinha à mão. Fiz teatro, realizei tertúlias, organizei exposições de artes plásticas, colaborei em jornais e revistas, trabalhei em rádio e televisão, gritei, chorei, esbracejei, rebolei-me pelo chão (eu sei lá que mais?) sem nunca desistir, nem me envergonhar.
Contudo, agora tenho vergonha e tenho medo. Vergonha porque não vejo as coisas avançar como seria de esperar. Medo porque a apatia (fruto de restrições económicas) leva (quase sempre) ao retrocesso, ao desmoronar de quanto custosa, carinhosa e apaixonadamente já foi construído, entrando-se, então, em crise de cultura. Coisa má, muito má mesmo. Pois, como muito bem diz o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles, «a crise cultural é muito mais grave do que a crise económica. A crise económica pode ter retoma, a crise cultural é irreversível.»
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